Por Leonardo De Lucca, PhD em Ciências do Movimento Humano
Um dos maiores desafios na prescrição de treinamento resistido (TR) para populações especiais (idosos, gestantes, portadores de doenças crônicas, reabilitação cardiopulmonar e de lesões osteomioarticulares) é determinar a intensidade adequada com segurança e eficácia.
Métodos tradicionais como a porcentagem de 1 repetição máxima (%1RM) ou treinamento baseado em velocidade (VBT) têm limitações significativas nesses contextos.
Uma alternativa promissora, respaldada por evidências recentes, é o método das Repetições em Reserva (RIR).
Vamos explorá-lo com base na revisão de Maroto-Izquierdo et al. (2025).
Por que Métodos
Tradicionais Podem Falhar com Populações Especiais?
1. %1RM:
Risco: Avaliar a 1RM repetidamente é extenuante e potencialmente perigoso para indivíduos com comorbidades, instabilidade articular ou pouca tolerância ao exercício.
Variabilidade: A 1RM flutua diariamente, especialmente em populações com condições de saúde comprometidas.
Tempo/Familiarização: Requer múltiplas
sessões para avaliação precisa, algo nem sempre viável na prática clínica ou em
programas de saúde pública.
2. Treinamento Baseado em Velocidade (VBT):
Custo: Requer equipamentos caros
(transdutores, acelerômetros).
Aplicabilidade Limitada: Dificilmente aplicável a exercícios não lineares (ex.: elásticos, exercícios funcionais complexos) ou em ambientes sem tecnologia.
Tempo/Perfil: Exige a criação prévia do perfil força-velocidade para cada exercício e indivíduo.
3. Escala de
Percepção Subjetiva de Esforço (RPE):
Subjetividade: Pode ser influenciada por
humor, experiência, fadiga geral e formulação da pergunta.
Familiarização: Requer período longo de
aprendizado para uso confiável.
Tradução Indireta: Indica fadiga global, mas não quantifica diretamente a proximidade da falha muscular nem prescreve repetições de forma objetiva ligada ao objetivo.
O Método RIR: Segurança, Simplicidade e Individualização
Exemplo Prático: Se um sujeito realiza 8 repetições no Leg Press, mas "sabe" que poderia ter feito 10 antes de falhar, ele tem 2 RR (2 repetições em reserva).
Vantagens Chave do RR para Populações Especiais:
* Segurança: Permite
prescrever séries sem chegar à falha muscular, reduzindo risco de lesão e
fadiga excessiva.
* Individualização
em Tempo Real: Ajusta-se às flutuações diárias de capacidade, motivação e
fadiga do indivíduo ("autoregulação").
* Baixo Custo: Não
requer equipamentos sofisticados.
* Versatilidade:
Aplicável a qualquer tipo de exercício (máquinas, pesos livres, elásticos, peso
corporal) e ambiente.
* Ligação Direta ao
Objetivo: Diferentes níveis de RIR promovem adaptações distintas (força,
hipertrofia, resistência).
* Facilita a Adesão: O sujeito entende claramente o esforço esperado e sente maior controle.
Como Funciona na Prática: Escalas e Níveis de Esforço
A literatura destaca três escalas principais (ERF, RPE-RIR, Caráter do Esforço), mas propõe uma integração prática para populações especiais, categorizando o esforço em 4 níveis, cada um associado a uma percepção de esforço aproximada e uma perda de velocidade concêntrica permitida:
1. Baixo Esforço:
* Repetição de Reserva (RR): Alto (ex.: Realiza < metade das reps
possíveis - Ex: 8 de 20 possíveis = RIR12).
* PSE: ~1-3/10.
* Perda Velocidade: Mínima (<10%).
* Objetivo Típico: Ativação neuromuscular,
trabalho explosivo com cargas leves, iniciação/adaptação.
2. Médio Esforço:
* RR: Moderada (ex.: Realiza ~metade das reps
possíveis - 15 de 30 possíveis = RIR15).
* PSE: ~4-6/10.
* Perda Velocidade: Baixa (10-20%).
* Objetivo Típico: Resistência Muscular Localizada (RML), manutenção, saúde geral.
3. Alto Esforço:
* RR: Baixo (ex.: Realiza > metade das
reps possíveis, mas não todas - 8 de 10 possíveis = RIR2).
* PSE: ~7-8/10.
* Perda Velocidade: Moderada (20-30%).
* Objetivo Típico: Hipertrofia, Força Máxima.
4. Esforço Máximo:
* RR: Mínimo ou Zero (ex.: Realiza todas as
reps possíveis até falha técnica ou parada imediatamente antes - 5 de 6
possíveis = RIR1 ou RIR0).
* RPE: ~9-10/10.
* Perda Velocidade: Alta (50-70%).
* Cuidado em Populações Especiais: Geralmente EVITADO
devido ao alto risco de fadiga, lesão e baixa adesão. Usar com extrema cautela
e supervisão.
1. Determinar a X-RM
(Repetições Máximas Possíveis):
* Após aquecimento, realize UMA ÚNICA SÉRIE de
teste com uma carga estimada.
* O paciente executa repetições até a falha
técnica (incapacidade de completar o movimento com boa forma) ou até sentir que
está *muito próximo* de falhar (ex.: RIR1). *Importante: Evitar múltiplas
séries até a falha para minimizar fadiga/risco.*
* Registre o número de repetições realizadas
com boa técnica e a carga. Este é o máximo aproximado (X-RM) naquele dia para
aquela carga/exercício.
* Escolha o nível de esforço (Baixo, Médio,
Alto) conforme o objetivo do paciente.
* Calcule o número de repetições a serem
realizadas: `X-RM - RR desejado`.
* Exemplo 1 (Força - Alto Esforço): Paciente
com Esclerose Múltipla. Teste no Leg Press: 8 reps até quase falhar (RIR1) com
50kg. Objetivo: Força (Alto Esforço, RR2-3). Prescrição: 50kg, 5-6 repetições
(8 máx - 2 ou 3 RIR = 5 ou 6 reps). PSE esperado ao fim: 7-8/10.
* Exemplo 2 (Resistência - Médio Esforço): Paciente pós-câncer de mama usando elástico. Teste na Puxada Frontal com elástico: 20 reps até quase falhar (RR1). Objetivo: Resistência Muscular (Médio Esforço, RIR ~10). Prescrição: Mesmo elástico, 10 repetições (20 máx - 10 RIR = 10 reps). RPE esperado ao fim: 4-6/10.
3. Ajuste Contínuo
(Autoregulação):
* Sessão Supervisionada: A cada série,
pergunte ao paciente quantas reps ele acredita que ainda poderia fazer (RIR).
Se o RIR relatado for maior que o prescrito, aumente levemente a carga na
próxima série. Se for menor, reduza a carga. *Ex.: Prescrito RIR2, paciente diz
que tinha RIR4 após 6 reps? Aumente a carga na próxima série.*
* Sessão Não Supervisionada: Após
familiarização, o paciente pode autoregular interrompendo a série quando
atingir o RIR prescrito. Reavalie a X-RM periodicamente (ex.: a cada 4-6
semanas).
Validação Científica
e Considerações
A revisão sintetizou diversos estudos (Tabela 3 do artigo) mostrando que o RIR é:
* Válido:
Correlaciona-se bem com %1RM e perda de velocidade concêntrica.
* Confiável: Pode
ser usado de forma consistente por indivíduos familiarizados, especialmente
quando mais próximo da falha (RIR baixo).
* Aplicável: Funciona em diferentes exercícios e populações (estudos com treinados e não treinados).
Pontos de Atenção:
* Familiarização: É
ESSENCIAL ensinar o conceito de RIR e falha técnica ao praticante. Use linguagem
clara e exemplos. Comece com cargas leves e RIR alto.
* Falha Técnica:
Defina critérios claros para cada exercício (ex.: perda de alinhamento, redução
extrema de velocidade, compensações). Segurança é primordial.
* Comunicação: A
pergunta deve ser clara: "Quantas repetições boas você acredita que
ainda conseguiria fazer com essa carga antes de não conseguir mais?".
Evite perguntar apenas "quão difícil foi?".
* Populações Muito
Específicas: Embora promissor, mais pesquisas são necessárias para validar
protocolos específicos em diversas condições clínicas complexas.
Conclusão para a Prática Clínica
O método RR surge como uma ferramenta prática, segura,
acessível e altamente individualizável para prescrever a intensidade do
treinamento resistido em populações especiais. Ele supera muitas limitações dos
métodos tradicionais, permitindo ajustes em tempo real baseados nas capacidades
diárias do paciente, minimizando riscos e potencializando a adesão e os
resultados.
1. Escolha um
exercício chave.
2. Realize UMA série
de teste (carga moderada) para estimar a X-RM (reps até falha técnica ou RR1).
3. Prescreva séries
subsequentes usando `X-RM - RIR desejado` (ex.: X-RM=12, Objetivo RML (Médio
Esforço, RIR6) -> Prescreva 6 repetições).
4. Ajuste a carga nas
próximas séries/sessões com base no RIR relatado pelo paciente (autoregulação).
Maroto-Izquierdo,
S., López-Ortiz, S., Peñín-Grandes, S., & Santos-Lozano, A. (2025).
Repetitions in Reserve: An Emerging Method for Strength Exercise Prescription
in Special Populations. Strength and Conditioning Journal, 47(3), 317-327.

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